quinta-feira, 16 de junho de 2011

Texto de Felipe Addor


  
FELIPE ADDOR



Graduação e Mestrado na Engenheiro de Produção da UFRJ. Doutorando no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ. Fundador e pesquisador-extensionista do Núcleo de Solidariedade Técnica - SOLTEC/UFRJ.







O papel da Engenharia na construção de políticas públicas

Quando entramos no curso de Engenharia, seja ela qual for, em geral temos uma perspectiva bem específica de trabalho e que está estreitamente alinhada com o modelo de formação que nos é proposto/imposto. Nosso objetivo com aqueles cinco anos de árduo estudo, atravessando os temidos Cálculos e Físicas e depois as matérias profissionalizantes, é conseguir sairmos inteiros para ingressarmos com tranquilidade e conforto em uma das grandes empresas que estão sedentas, ávidas, nos buscando, às vezes desde os primeiros períodos, para compor suas equipes de funcionários.

O grande questionamento que gostaria de colocar é: será que o engenheiro formado nas universidades brasileiras está pronto para atuar em outros contextos? Qual será o benefício que o Engenheiro pode levar à grande maioria da população brasileira, cuja qualidade de vida e renda não estão dependentes das grandes empresas para as quais a grande maioria dos engenheiros é encaminhado? Será que um engenheiro civil recém-formado está pronto para construir casas seguras nas encostas nas favelas a um custo acessível? E um engenheiro elétrico consegue resolver o problema de falta de energia das comunidades indígenas isoladas na Amazônia? O engenheiro de produção consegue aplicar suas teorias e ferramentas de estratégia com os camelôs da Alfândega[1] ou os pescadores que vendem seus peixes na beira do cais? O engenheiro eletrônico tem ferramentas para a construção de portais democráticos para apoiar a gestão e a venda de empreendimentos autogestionários? A realidade mostra que o ensino de engenharia é muito restrito em sua aplicabilidade e há uma determinação no direcionamento do seu currículo diretamente influenciado por interesses políticos e econômicos.

Percebendo essa lacuna em relação às áreas de atuação que o engenheiro pode assumir, gostaria de dar destaque a uma. O processo conhecido como a “modernização” do Estado brasileiro leva a uma série de transformações na forma de atuação do poder público de forma a consolidar seu papel de mediador de conflitos e de provedor de condições dignas de vida à população. Uma dessas mudanças é a forma de construir políticas. São tradicionais as formas pontuais e assistencialistas de formação de ações governamentais. Sem haver um planejamento e articulação amplos, dissociado de qualquer estratégia mais plena de impacto territorial e muito menos de visão de longo prazo, as políticas governamentais tem no seu histórico características típicas de um Estado instável, cujos padrões, princípios, diretrizes são determinados por cada novo governante que senta na cadeira presidencial. Ou seja, no máximo se conseguia construir políticas de governo, que estavam atreladas ao governo do momento, sem qualquer garantia de continuidade; muito pelo contrário, os governos sucessivos tendiam a apagar ou enfraquecer políticas de seus predecessores como forma de fortalecer-se politicamente.

Atualmente, com a perspectiva de “modernização” do Estado, há uma tendência à construção de um nova forma de política que fique cada vez menos ao bel prazer do governante do momento. O objetivo é a consolidação de diretrizes políticas que tenham uma continuidade mesmo com a mudança de governo, e que minimizem os problemas de descontinuidade que até hoje são característicos do contexto político brasileiro. Além disso, essas políticas são construídas com o objetivo de atender a diversas realidades, diferentes territórios, com respeito às diversidades, mas sem ter uma abrangência unicamente local. É a consolidação de políticas de Estado, que estão atreladas à atuação do próprio Estado, e não de um governo de partido A ou B. Exemplo recente mais claro disso é a estratégia dos Planos Diretores, em que os municípios devem definir suas diretrizes de atuação por um longo prazo, buscando dar continuidade aos projetos governamentais. É claro que há certa flexibilidade que permite que os governantes definam prioridades e questões táticas do desenvolvimento do município, mas a direção geral está dada.

Nesse contexto, torna-se fundamental um cuidado maior na elaboração e planejamento dessas políticas, que terão uma longa vida útil e um impacto supra territorial. A complexidade de se pensar essas políticas é ampla, já que a abordagem territorial exige que se analise os impactos sobre o meio ambiente, os benefícios e malefícios para as populações envolvidas, as interferências nas relações políticas, os distúrbios nas diferentes atividades produtivas existentes e até nas práticas de lazer do local. A perspectiva de longo prazo dessas políticas exalta ainda mais a responsabilidade na sua formulação, visto que erros grosseiros poderão representar grandes repercussões mais à frente.

A complexidade para a elaboração dessas políticas tem levado o Estado a abrir cada vez mais espaços de participação para que a população possa contribuir, o que demanda uma nova capacidade: a de construção participativa de políticas públicas. Faz-se necessário a consolidação de espaços efetivemente abertos e participativos que ajudem o poder público a diminuir as possibilidades de erro na definição das políticas governamentais. Respeitando as diferenças de formação escolar, de linguagem, de conhecimento, de cultura de trabalho, coloca-se o desafio de se conseguir aproveitar ao máximo o conhecimento teórico e prático daquelas pessoas de forma a consolidar cada vez mais um quadro de referência[2] (Marques, 2005) o mais amplo possível, buscando minimizar os distúrbios imprevistos na elaboração e implantação das políticas.

Assim como outros profissionais, cada vez mais o engenheiro tem se deparado com situações semelhantes na sua prática profissional, seja na área elétrica para a construção de hidrelétricas, seja na civil para a implantação de conjuntos habitacionais e a garantia de segurança de casas em encostas, seja na área da produção para a elaboração de planos de desenvolvimento territorial envolvendo os diversos atores de uma região.

E aí, será que a nossa formação nos prepara para enfrentar esse desafio?



[1]    A Alfândega é uma rua no Rio de Janeiro na qual existem um camelódromo/mercado popular com quase mil comerciantes.
[2]    Quadro de referência diz respeito as variáveis que são consideradas na definição de um problema e na construção de uma solução. MARQUES, Ivan da Costa, 2005, “Engenharias brasileiras e a recepção de fatos e artefatos”. In: LIANZA, S., ADDOR, F., Tecnologia e Desenvolvimento Social e Solidário. Porto Alegre, Editora UFRGS, pp. 13-25.
 

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