segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Fábricas Recuperadas pelos Trabalhadores – Dilemas da relação entre engenheiros e operários

Por Flávio Chedid


Aos companheiros que estão militando na organização do ENEDS, que suponho estarem de alguma forma inquietos com a formaçao da engenharia tal qual como ocorre atualmente, buscarei nesse texto apresentar o conceito de Fábricas Recuperadas e problematizar a relação entre tais empreendimentos e os profissionais de engenharia. Com isso, procuro dar continuidade aos textos anteriores, seja questionando a racionalidade instrumental, seja relacionando a formaçao do engenheiro à construção de políticas públicas, ou ainda, refutando a ideia de neutralidade da técnica.

No Brasil, embora encontremos práticas desde a década de 1980, ainda não há um conceito consolidado que defina os empreendimentos que faliram e que foram recuperados pelos trabalhadores que buscam organizá-las sob a forma autogestionária. Alguns conceitos distintos foram utilizados pelos pesquisadores que se dedicaram ao tema: empreendimentos autogestionários provenientes de massa falida, empresas de autogestão, empresas recuperadas, fábricas recuperadas.

Temos[1] optado pela utilização do conceito de Fábricas Recuperadas pela precisão do conceito e pela  carga política que está subjacente ao conceito de fábrica.

Acredito que com o que disse acima já podem ter uma breve ideia do que sejam as Fábricas Recuperadas e que algumas questões já tenham surgido para vocês: quem continua na fábrica recuperada? Se são somente os operários como conseguem gerí-las? Elas são viáveis a longo prazo? O que de diferente há nessas fábricas com relação às tradicionais? Como a engenharia poderia ajudá-las a se fortalecer?

Bom, posso ter forçado um pouco a barra ao imaginar que formularam tantas questões nessa breve leitura, mas foi a maneira que encontrei de apresentá-las e tentar esboçar algumas respostas, sendo a maioria imprecisas e em forma de novas questões.

Na maioria dos casos, quem continua nas fábricas recuperadas são os trabalhadores do chão de fábrica, sobretudo pela maior dificuldade que têm de encontrar outros empregos em períodos de crise[2]. É verdade que estes encontram dificuldades para gerir os empreendimentos, especialmente no início em que contam com inúmeros problemas deixados pelos patroes anteriores, como dívidas e o nome sujo no mercado. Mas também é verdade que ao longo do tempo muitos desses trabalhadores desmitificaram muitas coisas com relação ao processo de gestão e já estão nessa luta há quase duas décadas. Muitas fábricas que numa análise rápida de um engenheiro seria definida como inviável economicamente funcionam há cerca de 15 anos e permitem o sustento de milhares de trabalhadores. Qual seria o milagre operado pelos operários?

Em primeiro lugar, funcionam sobre outra lógica. Não quero aqui apresentar uma imagem idealizada e dizer que a racionalidade instrumental, definida pelo Roy, não existe nessas fábricas. Sim, existe. Tampouco se trata de uma vanguarda revolucionária que muitos de nós esperamos encontrar. Entretanto, a forma na qual estão organizados gera mudanças concretas. Não há uma pessoa detentora de todo capital. Não é possível, portanto, vender toda a fábrica, investir no mercado e permitir que todos vivam de renda. Esse cálculo, muitas vezes feito pelo engenheiro tradicional quando analisa viabilidade econômica, não serve de nada para esses empreendimentos. A propriedade coletiva questiona a ideia e as técnicas de análise de viabilidade econômica que conhecemos. Porque também não pode considerar a capacidade de resistência que têm esses trabalhadores em períodos de crise. Na crise mundial de 2008, na Argentina[3] foram muito poucas as fábricas recuperadas que faliram. Na verdade, a crise permitiu o surgimento de muitas outras.

Seguindo na tentativa de responder às questões acima colocadas, me parece sempre muito curiosos os questionamentos sobre a possibilidade de sobrevivência de longo prazo destes empreendimentos. Como bem colocado pelo Roy, citando o Sennet, vivemos no sistema do curto prazo. Capitaneados por pessoas que não pensam em nada além do curto prazo. Mas, que quando se trata de questões de seus interesses, parece bastante oportuno formular questões sobre o longo prazo. Não há resposta para esse questionamento. A maioria dessas experiências já dura muito mais do que qualquer um poderia imaginar e já possui uma importância grandiosa para quem sonha com outra forma de organizar a produção. São experiências vivas das utopias que temos, com todas as contradições a que estão passíveis qualquer experimento humano. A idealização que muitos de nós fazemos delas não só se trata de uma imprecisão teórica como não as ajudam muito.

Estou há cerca de três meses em Buenos Aires para conhecer as experiências argentinas e minha questão é justamente uma das que coloquei acima. Uma questão bastante simples e que dependendo do método e perspectiva teórica adotados nos trará respostas distintas. Eu buscava a princípio encontrar as mudanças na organização da produção. Coitado de mim que buscava fazer isso com breves perguntas de um roteiro semi-estruturado de entrevistas. Assim como uma mãe dificilmente percebe o crescimento de seu filho, estes trabalhadores não possuem as respostas prontas sobre as mudanças que empreenderam. 

Apesar da autocrítica, poderia citar uma série de questões que me saltaram aos olhos desde que estou aqui, como: retiradas igualitárias ou redução significativa das diferenças salariais; novos espaços para tomadas de decisão, que apesar de ser apenas um passo, por não significar necessariamente a efetiva tomada de decisão coletiva, não deixa de ser um passo; controle do ritmo de trabalho pelos trabalhadores, que reduz significativamente acidentes graves de trabalho; novas relações entre os trabalhadores, que já não possuem mais o medo de serem substituídos pelo seu companheiro; relacionamento com lutas políticas que estão para além do seu umbigo; abertura das fábricas para a comunidade do entorno, com organização de visitas, eventos culturais, escolas, centros de saúde; debates sobre questões de gênero entre muios outros pontos encontrados, que não  é possível listar aqui.

É verdade que muitos dessas questões acontecem em fábricas específicas, que poderiam ser consideradas como pontos fora da curva. Não busco aqui generalizar as características das Fábricas Recuperadas, mas apenas de relatar o que é possível encontrar nesses ambientes de trabalho. Aliás, o ambiente de trabalho definitivamente muda. É muito comum encontrar fábricas em que as pessoas escutam músicas, param para tomar mate (mais comum pela Argentina do que parar para fumar) e que fazem do ambiente fabril um ambiente muito mais próximo da sua casa do que nas fábricas tradicionais.

E, enfim, o que tudo isso tem a ver com o ENEDS? Seguindo com a última pergunta acima colocada, creio que a aproximação dos profissionais de engenharia desses empreendimentos é bastante oportuna e, ao mesmo tempo, perigosa. Embora tenham conseguido levar adiante suas fábricas, os trabalhadores ainda lidam om inúmeros problemas tecnológicos que poderiam ser atenuados com a aproximação de engenheiros. Muitos dependem mesmo é de políticas públicas que lhes permitam ter acesso a crédito para renovar o parque fabril, em geral, muito antigo. Mas, sim, também há uma forte demanda pela presença por profissionais da área tecnológica. A questão é que não temos[4] ainda a formaçao para trabalhar com esses empreendimentos.
Em primeiro lugar, aprendemos a ser consultores, cuja metodologia nos ensina a lidar com os donos das empresas, que têm totais condições de impor soluções indesejadas pelo coletivo de trabalhadores. Essa possibilidade não existe no caso das Fábricas Recuperadas. Costumo dizer que precisamos aprender a ser assessores, que considera o saber presente na fábrica e que busca somar  o seu conhecimento, buscando um diálogo de saberes para resolver problemas de gestão administrativa, organização da produção, planejamento das instalações etc.

Se de fato é um desejo dos engenheiros que se aproximam das fábricas recuperadas, ajudá-los a crescer como empreendimento, mesmo se formos considerar situações em que “têm razão”, definitivamente não é eficiente agir como dono da razão. Aliás, eu a coloquei entre aspas, porque na verdade acredito que o que acontece é uma desqualificação de outros tipos de racionalidades. O engenheiro, que possui uma racionalidade específica, tende a sobrepô-la a distintas formas de enxergar o mundo.

Eivados da racionalidade instrumental, citada pelo Roy, não conseguem entender como um trabalhador do setor administrativo se nega a usar o computador. Não entendem porque nas Fábricas Recuperadas quase nunca se utiliza os equipamentos de segurança.

Se de fato é um desejo aproximar-se desses empreendimentos, será necessário aos engenheiros, romper com muitos paradigmas que ainda não se depararam. Talvez o desafio tecnológico seja ainda maior nesses casos. Por exemplo, considerar que no ambiente de trabalho em que o mais importante agora é poder conversar com seu companheiro e escutar música, não há nada que faça um operário tampar o seu ouvido. Nesse caso, por que não pensarmos em máquinas que não produzam ou produzam pouco ruído?[5]

O novo mundo possível certamente não prescindirá de novos engenheiros.


[1]   Uma equipe que conta com pessoas de 9 universidades brasileiras que está se organizando para realizar um levantamento das fábricas recuperadas no Brasil com financiamento do CNPq
[2]   A maior parte dos casos brasileiros de Fábricas Recuperadas surge com a crise da década de 1990 por conta da abertura comercial do país para o exterior.
[3]   País com maior número de Fábricas Recuperadas atualmente (cerca de 230) e com um forte apoio popular ao tema.
[4]   Aí me incluo por também ser (de)formado em engenharia.
[5]   Essa foi uma questão colocada por um trabalhador de fábrica recuperada.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Mina Grande, Conflitos Gerais


Faltando três semanas para o 8ºENEDS finalizamos  com os últimos textos de preparação para essa fantástica jornada.
Para retornar temos um texto enviado pelo Prof. Oswaldo Sevá da Unicamp :

"Como o encontro será em Ouro Preto, e , pela segunda vez em MG, faz mais sentido que todo mundo possa ter acesso a um trabalho valioso feito por equipe da UFMG, num centro de pesquisas chamado GESTA- Grupo de Estudos sobre Tematicas Ambientais .

O projeto consiste num Mapeamento dos conflitos socio-ambientais no Estado, cerca de 350 casos que vieram sendo compilados nos ultimos dois anos, a partir de informes e denuncias feitos por lideranças e entidades de moradores das localidades afetadas; os informes foram sistematizados e complementados pelos pesquisadores do GESTA, foram acrescentadas as fontes de informação e bibliografia disponiveis,  e os resultados estão disponilizados para consultas geo referenciadas, e com acesso por meio de palavras-chave ( setor de atividade, tipo de população envolvida, etc) "

O link :


Na aba de textos, o texto do professor intitula-se "Mina Grande, Conflitos Gerais".

"Quem  conhece bem a região de Ouro Preto e as áreas de mineração no Estado , vai se sentir contemplado, e lembrará de muitas outras estórias que mereceriam constar do mapeamento, e ... para quem não conhece, ou acha que só tem belas igrejas, monumentos e obras de arte, o artigo deve ser lido como um roteiro "turistico" às avessas, do tipo "vá conhecer enquanto existe...".


sexta-feira, 24 de junho de 2011

Colunista da Semana




Roy Frankel



Engenheiro de produção formado pela UFRJ e estudante de Letras Português-Francês na UERJ. Atua atualmente como colaborador voluntário do Núcleo de Solidariedade Técnica (SOLTEC/UFRJ) e trabalha na Gerência de Inclusão Social (Área de Planejamento) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)








O Engenheiro Racional

"A atitude crítica é a predisposição sadia para a assimilação. Criticar não é rejeitar. É escolher o melhor, o mais condizente. É abrir o apetite para uma assimilação saudável de conhecimentos, verdades, valores, que se aceitam, que se desejam, que são percebidos como plenificantes da pessoa. Para essa assimilação enriquecedora, faz-se mister que se criem condições favoráveis." (Libânio, 2002, p. 124)

O presente texto contém algumas ideias retiradas do Projeto de Graduação feito por Rafael Carneiro e por mim. Ele buscava refletir sobre o que é engenharia de produção, se ela estaria afastada ou não da sociedade e, em seguida, como torná-la ainda mais próxima da mesma. Buscarei aqui apresentar apenas um dos recortes teóricos presentes neste trabalho que se aplica à engenharia de modo geral, a saber: a reflexão sobre racionalidade substantiva e racionalidade instrumental, fundamentada principalmente em Guerreiro Ramos e Sennet.

Ramos (1981) caracteriza as organizações econômicas atuais como usuárias da racionalidade instrumental e como exercício intelectual e projeto de sociedade busca mostrar as diferenças deste tipo de racionalidade com uma racionalidade que ele denominou como substantiva devido ao escamoteamento progressivo que vem acontecendo ao conceito de razão.

Classicamente, o conceito de racionalidade sempre se revestira de nuanças éticas, "e chamar um homem ou uma sociedade de racional significava reconhecer sua fidelidade a um padrão objetivo de valores postos acima de quaisquer imperativos econômicos" (Ramos, 1981, p. 122). A esse conceito de racionalidade Ramos dá o nome de substantiva. Por outro lado, na sociedade moderna, o conceito de racionalidade foi despojado de toda sorte de considerações éticas, passando a ser usuária de cálculo de benefícios egoístas, imediatismo, utilitarismo e instrumentalismo.

Ramos (1981) afirma que tal processo não ocorre por acaso, e que a transmutação do sentido de palavras como razão, racionalidade e lazer refere-se ao "processo da consolidação institucional do sistema de mercado [que] é inseparável de um processo de desculturação da mentalidade ocidental, por meio do qual é eliminado o sentido original dessas palavras.” (p. 132) Ao contrário do que se poderia pensar inicialmente, tal transmutação não é puramente relacionada à evolução das línguas e ao processo semântico inerente a tal evolução, mas sim a uma indução propositada das forças presentes no sistema econômico vigente.

A lógica serialista de tempo existente em nossa sociedade (Sennett, 2007) e a constante criação de necessidades socialmente induzidas oriunda da racionalidade instrumental (Ramos, 1981) fazem com que entremos em uma lógica cíclica e contínua de trabalhar cada vez mais para suprir novas necessidades cada vez maiores.

A hegemonia da racionalidade instrumental colabora com a fragilização da fidelidade a padrões éticos presente em nossa sociedade. O ser humano é reduzido a uma criatura que calcula vantagens e desvantagens, sendo a ele impossível deste modo distinguir vício e virtude. "A sociedade torna-se, então, o seu único mentor e, não surpreendentemente, padecimento é equiparado ao mal, e o prazer ao bem.” (Ramos, 1981, p. 30) À maximização do benefício pessoal limites muito tênues e flexíveis existem - a competição torna-se natural, e nela sempre alguém ganha e muitos perdem. Esse jogo é visto como normal e atemporal. A ele que devemos nos submeter. Entretanto, as subjetividades de cada indivíduo por princípio não podem competir entre si e por esse motivo tal submissão implica em uma remoção das mesmas. O próprio indivíduo é visto como uma máquina, um ser sem subjetividade, racional - no sentido instrumental.

Nesse processo de racionalização instrumental do indivíduo, Ramos (1981) menciona o surgimento de diversos problemas psicosociológicos, caracterizados em conjunto como síndrome comportamentalista. “A síndrome comportamentalista, isto é, a ofuscação do senso pessoal de critérios adequados de modo geral à conduta humana, tornou-se uma característica básica das sociedades industriais contemporâneas.” (p. 52) Essa síndrome possui quatro traços principais: a fluidez da individualidade, o perspectivismo, o formalismo, e operacionalismo.

Sennet (2007) explicita como a sociedade capitalista moderna literalmente corrói o caráter dos indivíduos. “O termo caráter concentra-se sobretudo no aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional. (...) Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem.” (p. 10) Entretanto, o primeiro paradoxo advém de como poderemos buscar metas de longo prazo em uma economia dedicada ao curto prazo? Sennet (2007, p. 21) defende que “as qualidades do bom trabalho não são as mesmas do bom caráter”. Entretanto, na sociedade moderna, tais comparações são feitas sem maiores preocupações. Os bons padrões para o trabalho, repletos de uma racionalidade instrumental, são transportados para a vida pessoal, transformando-a em uma extensão mecanomórfica da realidade empresarial.

Diversas dessas qualidades do bom trabalho capitalista que são prejudiciais ao caráter humano são citadas. Por exemplo, o mote moderno “‘não há longo prazo’ é um princípio que corrói a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo” (Sennet, 2007, p . 24). “A rotina industrial ameaça degradar o caráter humano em suas próprias profundezas” (p. 41) Adam Smith, em a Riqueza das Nações, incrivelmente, corrobora com essa opinião, afirmando que “O homem que passa a vida realizando umas poucas operações simples... em geral se torna tão estúpido e ignorante quanto é possível tornar-se uma criatura humana” (apud Sennet, 2007, p. 41). O mote moderno de flexibilidade implica em desprender-se do próprio passado, ausência de apego, confiança para aceitar a fragmentação. O trabalho é cada vez menos legível, no sentido de permitir ao trabalhador o entendimento do que eles estão fazendo, e o trabalhador gradualmente se aliena. A fluidez, tão defendida no contexto empresarial, torna o indivíduo focado apenas em metas de curto prazo. Permanecer num estado contínuo de vulnerabilidade (arriscar-se constantemente) embota o espírito humano. E assim, o caráter humano é degradado pelo próprio sistema econômico no qual estamos inseridos.

Ramos (1981) corrobora com essas afirmações ao mencionar que “através de estratégias integracionistas, isto é, mediante estratégias que visam a integração de metas individuais e organizacionais, esforçam-se eles [os teóricos e praticantes de nossos dias] para transformar as organizações econômicas em sistemas sociais de tipo doméstico.” (p. 96) Apesar disso, “não questionam eles [os intervencionistas humanistas], explicitamente, o caráter geral desumanizador e enganoso da estrutura de emprego da sociedade centrada no mercado, que em si mesma não permite uma coerente prática do verdadeiro humanismo.” (p. 97)

Cabe então a reflexão sobre qual racionalidade nós (futuros) engenheiros devemos nos submeter e aplicar em nossas práticas. Será que existem organizações econômicas que fogem à racionalidade instrumental e aplicam a racionalidade substantiva? Será que conseguimos em nossa vida pessoal e profissional ‘mitigar os danos’ de um constante e ilimitado uso da racionalidade instrumental?

Acreditamos que as alternativas a essa lógica instrumental cada vez mais ganham força, genericamente chamadas de formas alternativas de produção. A economia solidária está nesse grupo e apresenta uma real possibilidade de reversão desse quadro. A lógica de funcionamento interno da forma cooperativista contém elementos que colocam o desenvolvimento como o objetivo humano como elemento central de sua prática, e não colateral.

Ao fazer esse tipo de reflexão, nos deparamos com um sentimento de inquietação face à nossa limitada atuação – até que ponto nós podemos modificar algo tão institucionalmente arraigado? Na camiseta de uma edição anterior do ENEDS, colocamos uma frase conhecida, atribuída a Mahatma Gandhi: “Você deve ser a mudança que você deseja ver no mundo”. O primeiro passo após essa reflexão é buscar o espaço de não subordinar mais nossa vida pessoal a conceitos com os quais não concordamos. Em seguida, somente então, poderemos atuar, não mais como engenheiros ‘instrumentais’, mas sim engenheiros substantivos, engenheiros que realmente tenham potencial de promover um verdadeiro e abrangente desenvolvimento social.

Espero que este texto tenha pelo menos colocado uma pequenina pulga atrás da orelha. Já seria uma grande coisa.

Bibliografia:
LIBÂNIO, J. B., 2001. Introdução à vida intelectual. São Paulo: Ed. Loyola.
RAMOS, A.G., 1981. A Nova Ciência das Organizações. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.
SENNET, R., 2007 A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Record.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Novas Datas Impotantes!!!

Fique Atento!!!
03 de Julho - Último dia para submissão de artigos.
19,20 e 21 de Setembro - 8ºENEDS

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Texto de Felipe Addor


  
FELIPE ADDOR



Graduação e Mestrado na Engenheiro de Produção da UFRJ. Doutorando no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR/UFRJ. Fundador e pesquisador-extensionista do Núcleo de Solidariedade Técnica - SOLTEC/UFRJ.







O papel da Engenharia na construção de políticas públicas

Quando entramos no curso de Engenharia, seja ela qual for, em geral temos uma perspectiva bem específica de trabalho e que está estreitamente alinhada com o modelo de formação que nos é proposto/imposto. Nosso objetivo com aqueles cinco anos de árduo estudo, atravessando os temidos Cálculos e Físicas e depois as matérias profissionalizantes, é conseguir sairmos inteiros para ingressarmos com tranquilidade e conforto em uma das grandes empresas que estão sedentas, ávidas, nos buscando, às vezes desde os primeiros períodos, para compor suas equipes de funcionários.

O grande questionamento que gostaria de colocar é: será que o engenheiro formado nas universidades brasileiras está pronto para atuar em outros contextos? Qual será o benefício que o Engenheiro pode levar à grande maioria da população brasileira, cuja qualidade de vida e renda não estão dependentes das grandes empresas para as quais a grande maioria dos engenheiros é encaminhado? Será que um engenheiro civil recém-formado está pronto para construir casas seguras nas encostas nas favelas a um custo acessível? E um engenheiro elétrico consegue resolver o problema de falta de energia das comunidades indígenas isoladas na Amazônia? O engenheiro de produção consegue aplicar suas teorias e ferramentas de estratégia com os camelôs da Alfândega[1] ou os pescadores que vendem seus peixes na beira do cais? O engenheiro eletrônico tem ferramentas para a construção de portais democráticos para apoiar a gestão e a venda de empreendimentos autogestionários? A realidade mostra que o ensino de engenharia é muito restrito em sua aplicabilidade e há uma determinação no direcionamento do seu currículo diretamente influenciado por interesses políticos e econômicos.

Percebendo essa lacuna em relação às áreas de atuação que o engenheiro pode assumir, gostaria de dar destaque a uma. O processo conhecido como a “modernização” do Estado brasileiro leva a uma série de transformações na forma de atuação do poder público de forma a consolidar seu papel de mediador de conflitos e de provedor de condições dignas de vida à população. Uma dessas mudanças é a forma de construir políticas. São tradicionais as formas pontuais e assistencialistas de formação de ações governamentais. Sem haver um planejamento e articulação amplos, dissociado de qualquer estratégia mais plena de impacto territorial e muito menos de visão de longo prazo, as políticas governamentais tem no seu histórico características típicas de um Estado instável, cujos padrões, princípios, diretrizes são determinados por cada novo governante que senta na cadeira presidencial. Ou seja, no máximo se conseguia construir políticas de governo, que estavam atreladas ao governo do momento, sem qualquer garantia de continuidade; muito pelo contrário, os governos sucessivos tendiam a apagar ou enfraquecer políticas de seus predecessores como forma de fortalecer-se politicamente.

Atualmente, com a perspectiva de “modernização” do Estado, há uma tendência à construção de um nova forma de política que fique cada vez menos ao bel prazer do governante do momento. O objetivo é a consolidação de diretrizes políticas que tenham uma continuidade mesmo com a mudança de governo, e que minimizem os problemas de descontinuidade que até hoje são característicos do contexto político brasileiro. Além disso, essas políticas são construídas com o objetivo de atender a diversas realidades, diferentes territórios, com respeito às diversidades, mas sem ter uma abrangência unicamente local. É a consolidação de políticas de Estado, que estão atreladas à atuação do próprio Estado, e não de um governo de partido A ou B. Exemplo recente mais claro disso é a estratégia dos Planos Diretores, em que os municípios devem definir suas diretrizes de atuação por um longo prazo, buscando dar continuidade aos projetos governamentais. É claro que há certa flexibilidade que permite que os governantes definam prioridades e questões táticas do desenvolvimento do município, mas a direção geral está dada.

Nesse contexto, torna-se fundamental um cuidado maior na elaboração e planejamento dessas políticas, que terão uma longa vida útil e um impacto supra territorial. A complexidade de se pensar essas políticas é ampla, já que a abordagem territorial exige que se analise os impactos sobre o meio ambiente, os benefícios e malefícios para as populações envolvidas, as interferências nas relações políticas, os distúrbios nas diferentes atividades produtivas existentes e até nas práticas de lazer do local. A perspectiva de longo prazo dessas políticas exalta ainda mais a responsabilidade na sua formulação, visto que erros grosseiros poderão representar grandes repercussões mais à frente.

A complexidade para a elaboração dessas políticas tem levado o Estado a abrir cada vez mais espaços de participação para que a população possa contribuir, o que demanda uma nova capacidade: a de construção participativa de políticas públicas. Faz-se necessário a consolidação de espaços efetivemente abertos e participativos que ajudem o poder público a diminuir as possibilidades de erro na definição das políticas governamentais. Respeitando as diferenças de formação escolar, de linguagem, de conhecimento, de cultura de trabalho, coloca-se o desafio de se conseguir aproveitar ao máximo o conhecimento teórico e prático daquelas pessoas de forma a consolidar cada vez mais um quadro de referência[2] (Marques, 2005) o mais amplo possível, buscando minimizar os distúrbios imprevistos na elaboração e implantação das políticas.

Assim como outros profissionais, cada vez mais o engenheiro tem se deparado com situações semelhantes na sua prática profissional, seja na área elétrica para a construção de hidrelétricas, seja na civil para a implantação de conjuntos habitacionais e a garantia de segurança de casas em encostas, seja na área da produção para a elaboração de planos de desenvolvimento territorial envolvendo os diversos atores de uma região.

E aí, será que a nossa formação nos prepara para enfrentar esse desafio?



[1]    A Alfândega é uma rua no Rio de Janeiro na qual existem um camelódromo/mercado popular com quase mil comerciantes.
[2]    Quadro de referência diz respeito as variáveis que são consideradas na definição de um problema e na construção de uma solução. MARQUES, Ivan da Costa, 2005, “Engenharias brasileiras e a recepção de fatos e artefatos”. In: LIANZA, S., ADDOR, F., Tecnologia e Desenvolvimento Social e Solidário. Porto Alegre, Editora UFRGS, pp. 13-25.
 

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Tecnologia e Economia Solidária

Tecnologia e Economia Solidária



Por Sandra Rufino

ssrufino@yahoo.com.br

UFOP/PEGADAS-UFRN/NESOL-USP



Há coisas que se pode fazer

e outras que se deve fazer...

A sabedoria consiste em distinguir uma da outra.



Esse encarte foi desenvolvido para refletirmos e discutirmos a tecnologia. Não aquela tecnologia que de imediato nossa mente faz lembrar como computadores, informática, máquinas sofisticadas, robos, naves espaciais, um verdadeiro filme de ficção. Falaremos aqui daquela tecnologia do nosso dia a dia, que faz parte de nossa vida.

Mas muitos devem estar se perguntando: Por que falar sobre tecnologia? A tecnologia pode nos ajudar e facilitar nossas atividades individualmente, na familia e/ou no empreendimento. E da mesma forma que paramos para refletir sobre nosso modo de trabalho, nossas ações e articulações, nosso valores na Economia Solidária (ES), com a tecnologia não pode ser diferente.

Para termos condição de iniciar um debate sobre o assunto é preciso primeiro entender O que é? A palavra é originada do grego, significa estudo do ofício. Entedemos como ofício o uso das técnicas, das ferramentas, das máquinas etc. Podemos dizer também que são as idéias, conhecimentos e métodos, utilizados para construir alguma coisa.

A tecnologia compreende a descrição de um saber organizado (sistematizado) e a explicação das técnicas. Ela pode ser tanto um produto/artefato (algodão marron ou verde natural, uma cestaria de sisal, um tecido agroecologico, diesel vegetal, sabão, ferramentas para corte, fogão a lenha, etc), como pode ser uma técnica/método (uso de gotejamento para irrigação de plantas, como as sementes da amazonia são tingidas) e ainda poder ser um processo/metodologia (como a cadeia produtiva do algodão agroecologico se organiza e se estrutura, como as reuniões no chão de fábrica são organizadas). E tudo isso: produto, tecnica e processo, utilizados para resolver ou facilitar nossos problemas ou necessidades do cotidiano.

Quem pode fazê-la? A tecnologia pode ser feita por todos, a diferença é que ao longo do tempo esse tipo conhecimento foi ficando cada vez mais restrito. Mas isso nunca impediu que o(a) trabalhador(a) criasse coisas novas (uma receita nova de comida, uma adaptação em uma máquina para outra função, uma ferramenta que facilitasse sua vida...).

A tecnologia em seu estágio primário, a técnica, é tão antiga quanto a humanidade, sendo inventada, aperfeiçoada e transmitida de geração a geração. A tecnologia, em sua origem, era apenas a técnica criada ao acaso ou por experimentação (fogo, uso do sal nos alimentos). Foi aperfeiçoada, organizada e transmitida, passando a ter pessoas dedicadas a isso (mestres artesãos e aprendizes). Depois com criação de técnicas mais complexas e a sistematização desse conhecimento, passa a ser dedicada para a formação de técnicos (formados na universidade).

Nesse momento passa a se construir o chamado conhecimento cientifico e esse saber, se distanciou do saber popular. Um dos nossos desafios é (re)aproximar esses conhecimentos para podermos criar tecnologias que realmente são uteis para a sociedade.

O que é preciso? Muita criatividade. Precisamos aproveitar a liberdade que a Economia Solidária nos dá em nosso modo de trabalho para poder criar. Não é preciso saber como fazer de imediato e dominar conhecimentos complexos e difíceis, o importante é termos as idéias. E se não soubermos fazer, buscaremos parcerias que permitam a construção conjunta e coletiva da tecnologia pensada.

E se falamos de uma nova postura frente a tecnologia, que respeite os diferentes saberes, que valorize a vida e busque o desenvolvimento, então falamos de uma Tecnologia Social (TS). Segundo a Rede de Tecnologia Social a TS “compreende produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que represente efetivas soluções de transformação social”.

A Tecnologia Social trabalha com o principio da construção do conhecimento de forma democrática e coletiva, e busca compartilhá-lo com outras comunidades com necessidades semelhantes. Para o fortalecimento da ES e para o desenvolvimento durável (politico, economico, social, ambiental e cultural), a tecnologia precisa ser vista de forma estratégica e pensada a longo prazo.

Podemos usufruir da tecnologia em nossa casa e trabalho pensando em nossas necessidades, e podemos também pensar na tecnologia social que busca permitir o acesso a tecnologia a todos.

Algumas questões para o debate: Que tecnologia queremos para nós? Quais são os impactos (positivos e negativos) das tecnologias que utilizamos hoje? Como podemos contribuir para novas tecnologias? Qual o papel da Unisol na tecnologia e na tecnologia social? Podemos potencializar nossas ações com centros tecnologicos da universidade, centros de pesquisa? Como fazer isso?

[1] Que vem da ciência: conhecimento considerado uma verdade geral – lei – que é pesquisado, estudado e testado através do método científico (maneira como se avalia e valida esse conhecimento para que seja uma verdade geral).

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Depoimento sobre EREDS NE

Vicente Nepomuceno - Professor de Engenharia de Produção do CEFET/RJ UnED Nova Iguaçu e Pesquisador do SOLTEC/UFRJ

Queridos Companheir@s,

só agora consegui agora parar para colocar as coisas em dia, e queria muito compartilhar com vocês como foi o ereds nordeste.

Também não vai dar para colocar em poucas linhas a riqueza do evento. Mas sai de lá me sentido maior, me sentindo revigorado.

A primeira mesa sobre o semi-árido foi uma aula, a reflexão sobre as potencialidades do semi-árido e a velha discussão sobre a indústria da seca, foi muito esclarecedora. O debate sobre o desenvolvimento socioambiental foi crítico e contundente. A questão que ficou foi - nós temos muito a aprender com os movimentos sociais e com as popoulações tradicionais do semi-árido, a "arte de resolver a vida", suas tecnologias, e a busca pela construção de outras relações sociais. Sai do evento com vontade de mergulhar nos assentamentos rurais onde vários estudantes da UFRN realizam projetos de extensão - seridó, caicó, mossoró, só nome bonito.

Ao longo do evento os autores mais mencionados foram os próprios nordestinos, entre eles, josué de castro, celso furtado foram os destaques: Um dos palestrantes mencionou a "miopía técnica", citada por josué de castro, com que os engenheiros buscavam nas soluções de irrigação e em mega projetos hídricos sem conseguir ver o problema político. Adorei essa tal miopía técnica.

O circuito de experiências mostrou uma bonita integração entre os projetos de extensão da universidade, uma energia bonita entre estudantes de direito - um gurpo enorme de cerca de 70 estudantes fazendo formação e sendo formados em assentamentos do MST, entre outros projetos com cooperativas e minifábricas de caju, e cooperatica agrícolas.

Professor Cipriano, fez uma fala ótima que me chamou atenção: o ensino está presente várias instituições da sociedade , as pesquisas estão presentes em diferentes centros de pesquisa, mas a essência da universidade está na extensão. Essa reflexão citada por ele como sendo do boaventura, resolve uma angústia que eu tinha com a idéia de que um dia extensão será apenas um método, proposta do cristovam que gosto, mas que não resolve. Meu coração bate mais forte do outro lado, onde a essência estará na extensão e o ensino e a pesquisa estão idissociavelmente ligados.

A mesa final foi mais ampla com vários temas, um destaque para a reflexão ao final da mesa sobre o poder que a elite rural brasileira possui. Fato que se confirmou com o código florestal. Além disso nessa mesa teve um bonito causo contado pelo professor fernando bastos , o causo era mais ou menos assim: após a revolução pacífica da índia e grande número de mortos foi re-conquistada a independência do país, e indira pergunta ao seu companheiro: agora que conseguimos a revolução quando teremos o mesmo desenvolvimento que os ingleses, quando seremos iguais a eles: e Ghandi respondeu: se os ingleses precisam subjugar e oprimir tanta gente com um país pequeninnho igual o deles para terem o "desenvolvimento" que eles tem, imagine quanta gente nós indianos não precisamos dominar para ter o que eles têm.

Meu coração volta pra casa certo de que muito da minha identidade brasileira, tem sentido na reflexão poderosa do nosso nordeste.

Celso Furtado me mostrou a beleza de euclides da cunha dizendo que em canudos se matou a rocha viva de nossa identidade. Acho que tem muita sabedoria nisso aí.

é preciso a gente aprender com o que é nosso.

com carinho e o coração grande

Beijos

Vicente